top of page

A MALDIÇÃO DO PIGMEU DE NARIZ EMPINADO

pigmeu_edited.png

No coração da floresta erguia-se um pinheiro muito antigo, tão alto que fazia com que as restantes árvores parecessem pequenos arbustos. O seu tronco era largo o suficiente para servir de casa a qualquer animal, mas lá dentro vivia um pequeno Pigmeu.


Os Pigmeus são criaturas peculiares que se encontram espalhadas nalgumas florestas; têm menos de um metro de altura, caras rechonchudas como as de um bebé, um corpo magricela e umas mãos muito pequeninas. No entanto, apesar de serem as criaturas mais pequenas da floresta – não contando com os insetos – todos os Pigmeus são dotados de um dom mágico diferente. Há muito tempo, ficara decidido que esses dons seriam usados para zelar pela harmonia entre os animais e a natureza, por isso eles gostam de viver nas árvores, o que lhes permite ter a melhor vista possível de toda a área circundante.


Mas o Pigmeu que vivia no topo do grande pinheiro nunca estivera muito de acordo com os outros. Sempre de nariz empinado, este costumava entreter-se a observar os animais lá em baixo que, da sua perspetiva, pareciam minúsculas formigas.


Alguns Pigmeus eram capazes de curar feridas, outros de ensinar os animais a falar, e ainda havia os que conseguiam prever tempestades ou apagar incêndios. Mas o de nariz empinado tinha um dom muito particular, que se manifestou mais tarde do que o dos outros. Não é que, quando um dia se zangou com outro Pigmeu, apontou-lhe o dedo indicador em gesto de acusação e, sem perceber bem como, um raio saiu disparado. Em consequência, atingido por aquele raio, o seu oponente ficara estático e coberto de lama dos pés à cabeça. O Pigmeu de nariz empinado tentou limpá-lo, abaná-lo, mas nada resultou… parecia que não havia volta atrás, pois o outro Pigmeu ficara transformado, para sempre, numa estátua de lama.


Orgulhoso como era, em vez de se sentir arrependido ou culpado, apercebeu-se que o seu dom era de tal forma poderoso que lhe dava uma grande vantagem, não só sobre os seus semelhantes, mas também sobre os restantes animais da floresta. Então, começou a intimidar e a fazer troça dos outros Pigmeus, ameaçando que, caso se atrevessem a fazer-lhe frente, acabaria por lhes lançar aquela maldição que os transformaria eternamente em estátuas enlameadas. E foi assim que, sentindo-se cheio de poder, expulsou um bando de esquilos que antes viviam dentro do grande pinheiro e instalou-se lá, pois considerava-se merecedor da vista mais privilegiada de toda a floresta.


Os restantes Pigmeus ficaram muito incomodados, já que este não é o tipo de comportamento esperado para a sua espécie. Por isso, um dia juntaram-se todos e entraram de rompante pelo grande pinheiro, com o objetivo de expulsar de lá o Pigmeu de nariz empinado. Mas este, assim que os ouviu subir a grande escadaria em espiral que guiava até ao topo, colocou-se junto da entrada, apontou-lhes o dedo e lançou-lhes, um a um, a sua maldição. Livrando-se assim de todos os seus semelhantes, acabou por poder reinar à vontade na floresta e mandar em todos animais.


Como ele adorava sentir-se superior aos outros, o Pigmeu nunca abandonava o seu pinheiro. E para ficar protegido e evitar que pudesse ser novamente invadido, decidiu negociar com dois Ursos para guardarem a entrada, pois estes eram os animais mais fortes da floresta. Em modo de recompensa, oferecia-lhes todos os dias um pote carregado de mel, e para garantir que o reservatório nunca acabava, tinha inventado uma regra que obrigava as abelhas a entregarem-lhe quase todo o mel que produziam através do seu árduo trabalho, deixando apenas um pequeno resto para elas.

Ao longo do tempo, o Pigmeu foi inventando várias regras às quais os animais eram obrigados a obedecer, caso contrário arriscavam o mesmo destino que os outros Pigmeus.


Uma vez, reparou que as aves voavam demasiado perto do orifício que lhe servia de janela no topo do pinheiro, algumas até mais acima, e isso deixou-o apreensivo. Para resolver a situação, apressou-se a inventar uma regra que limitava a altura máxima de voo permitida, proibindo assim qualquer ave de se aproximar daquela zona. Uma vez, um Rouxinol distraído ultrapassou esse limite e o Pigmeu, irritado, não hesitou em debruçar-se na janela para lhe apontar o dedo, acertando-lhe em cheio com um raio que o transformou em estátua de lama.


*


Uma das regras obrigava os animais da floresta a reunirem-se todas as semanas à volta do grande pinheiro para ouvir um discurso do Pigmeu. Os Ursos-guarda encarregavam-se de os contar um a um, assegurando que nenhum animal estava a faltar.


Certo dia, durante o seu discurso, o Pigmeu anunciou que acabara de criar uma regra que obrigava os Veados a livrarem-se dos seus chifres, pois tinha observado que estes os faziam destacar-se demasiado dos outros animais, quase parecendo que estavam a usar coroas. Alguns Veados ficaram bastante revoltados com isto e recusaram-se a obedecer; outros, com medo, cederam e fizeram questão de remover os seus chifres. No entanto, os Ursos não tardaram em alertar o Pigmeu acerca da atitude dos Veados mais rebeldes. Como tal, sentindo-se desonrado, este correu para a sua janela e lançou-lhes a sua terrível maldição. Sem conseguir escapar, todos aqueles Veados ficaram para sempre transformados em estátuas de lama.


Cada vez iam surgindo mais regras e, com isso, os animais começaram a ficar mais e mais incomodados. Não era justo estarem sempre a ver a sua liberdade limitada e a viver com medo de serem amaldiçoados pelo Pigmeu de nariz empinado. Mas não havia nada que pudessem fazer, pois o Pigmeu era bastante impiedoso e não estava disposto a tolerar opiniões contrárias à sua.


Numa noite, enquanto dormia tranquilamente na sua pequena cama, começaram a ouvir-se uns ruídos agudos a ecoar lá fora. Aos poucos, estes foram-se tornando mais e mais intensos, o que fez com que o Pigmeu acordasse sobressaltado e se levantasse muito rápido. Já de pé, arrastou um banco, subiu nele e debruçou-se na janela. Quando olhou para baixo viu um grande bando de Lobos, todos eles a uivar em volta do grande pinheiro.


«Acabem já com essa barulheira!», exclamou o Pigmeu depois de ter enchido o seu pequeno peito de ar, de modo a projetar bem a voz. Mas o ruído era tão ensurdecedor que nem ele conseguiu ouvir a sua própria ordem. Irritando, correu para a porta dos seus aposentos e lançou um grito pelo tronco da árvore abaixo, chamando um dos seus Ursos-guarda. Passados uns instantes, o Urso apareceu, bastante ofegante, pois tinha subido todas as escadas em espiral da árvore a correr.


«O que é que se está a passar lá em baixo?», perguntou o Pigmeu irritado, levantando a cabeça para olhar para o Urso, o qual era cerca de quatro vezes mais alto.


«É um protesto dos Lobos, meu senhor. Pareceu-me ouvir que estão a protestar em nome de todos os animais», respondeu o Urso.


«Já te tinha dito que não me chames ‘senhor’, mas sim ‘Vossa Alteza!», relembrou o Pigmeu.


«Peço desculpa, senh… ou seja… Vossa Alteza».


«E por que razão estão eles a protestar?».


«Dizem que não estão contentes com as regras da floresta».


«Eles nunca estão contentes com nada! Aliás, ninguém disse que os animais podem ter qualquer opinião sobre as regras que eu invento», exclamou o Pigmeu, pasmado. «Ah, e os protestos nem sequer são permitidos na floresta».


«Mas, Vossa Alteza, na verdade não existe nenhuma regra escrita que os proíba», relembrou o Urso.


O Pigmeu começou então a pensar, apesar de ser difícil devido ao insistente som dos uivos. Depois dirigiu-se à sua estante, pôs-se em bicos de pés e puxou um rolo de papel que desdobrou sobre a sua cama. Era aqui que anotava todas as regras oficiais que se lembrava de inventar, para que nunca se esquecesse delas. Pegando numa pena e num bocado de tinta, acrescentou uma nova regra que proibia os animais de protestarem contra o que quer que fosse.

«Pronto! Agora vai informar os Lobos que estão a desobedecer. E se não forem todos embora, vão começar a receber a minha maldição», ordenou o Pigmeu ao Urso.


«Com certeza, Vossa Alteza», assentiu o Urso enquanto fazia uma vénia, antes de desatar a correr pelas escadas abaixo.


Quando chegou ao fundo da árvore, rosnou para os Lobos se irem embora e pararem de ser desobedientes. Mas isso não teve efeito nenhum, pois eles continuaram a uivar. O Pigmeu, ficando cada vez mais irritado com a situação, voltou a debruçar-se na janela e começou a fazer ameaças, as quais, mais uma vez, voltaram a ser abafadas pelo ruído. Até que, de súbito, um dos Lobos foi transformado em estátua de lama. Alguns entraram em pânico e começaram a fugir, outros continuaram ali a resistir, fiéis à sua luta pela liberdade de todos os animais. Mais dois foram transformados em estátuas, depois outros dois, até que os poucos que restaram se viram sem outra alternativa se não retirar-se e voltarem ao seu abrigo para se protegerem. Quando finalmente o silêncio reinou, o Pigmeu voltou para a cama. A única coisa que agora se conseguia ouvir era o harmonioso canto dos grilos à luz do luar, a mesma luz que iluminava as inúmeras estátuas de lama dos Lobos que ali ficaram.


*


Na manhã seguinte, assim que acordou, o Pigmeu teve uma ideia: podia solicitar um conselheiro para o ajudar a tomar decisões, de modo a ser mais respeitado pelos animais e assim evitar novos comportamentos de desobediência. Assim sendo, ordenou aos Ursos-guarda que alertassem os restantes animais sobre a sua disponibilidade para aceitar candidatos que ousassem mostrar-se dignos, honrados e fiéis.


Alguns instantes depois, não tardou em aparecer o primeiro candidato. Um dos Ursos guiou-o pelo grande pinheiro acima, através das grandes escadas.


«Vossa Alteza», anunciou o Urso quando chegaram aos aposentos do Pigmeu. «Trago-vos um candidato a conselheiro».


O Pigmeu percorreu o animal com os olhos, observando-o atentamente de alto a baixo. Assente em apenas duas patas, com um pelo liso e brilhante, uns bigodes longos e finos, e um par de olhos cintilantes que carregavam uma vigorosa expressão de sagacidade, o candidato fez uma vénia, curvando-se tanto que tocou com o focinho no chão, de modo a compensar a curta altura do Pigmeu.

«Saudações, Vossa Alteza» disse cordialmente aquela esbelta Raposa. «Permiti-me que manifeste a minha sincera admiração pela vossa esplêndida liderança sobre esta maravilhosa floresta».

O Pigmeu continuou a analisar atentamente a Raposa, mantendo ainda alguma distância. Até que, passados uns segundos, cruzou os seus pequenos braços, respirou fundo, empinou o seu nariz e, adotando uma atitude autoritária, começou a fazer-lhe perguntas:

«Quais são as tuas qualidades, Raposa?».


«Vossa Alteza, sou bastante astuta, audaz e sigilosa, o que me permite esconder no meio de arbustos e escutar o que os outros animais dizem sobre vós em segredo».


«Por acaso, sempre me perguntei o que andariam para aí eles a dizer», admitiu o Pigmeu. «Talvez devesse inventar uma regra que proibisse boatos na floresta».


«Oh, e o meu olfato é tão apurado que sou capaz de detetar a presença de impostores a longas distâncias», continuou a Raposa.

«Não podemos permitir impostores por aqui», disse o Pigmeu, parecendo cada vez mais interessado na apresentação da Raposa.

«Assim como a minha visão…», acrescentou esta. «Tenho uma visão tão aguçada que consigo reparar nos pormenores que podem escapar aos olhares mais desatentos».


«Ah, sim? E como podes demonstrar isso?», perguntou o Pigmeu, com curiosidade.


«Oh, Vossa Alteza… desde que aqui cheguei que me fixei num detalhe peculiar, o qual me leva a crer que alguém poderá ter invadido o vosso reservatório de mel sem autorização para tal».


«Quem poderá ter feito isso?!», inquiriu de imediato o Pigmeu, perplexo.


A Raposa esboçou um sorriso mordaz, depois lançou um olhar mesquinho na direção do Urso.


«Reparai como o vosso guarda tem uma das patas bastante pegajosa».


O Pigmeu olhou para o grande Urso, confirmando que, de facto, as suas garras estavam cobertas de vestígios de mel.


«Se-senhor… quer dizer… Vossa Alteza», gaguejou o Urso, atrapalhado perante a imediata expressão de descontentamento do Pigmeu. «Juro-vos com honestidade que nunca invadi o reservatório, foi a Raposa que me ofereceu um pote…».


Mas antes que ele conseguisse acabar o seu esclarecimento, já o Pigmeu lhe tinha apontado o dedo. E num piscar de olhos o Urso ficou estático, agora transformado numa enorme estátua de lama, enquanto a Raposa ria, entre dentes, com escárnio.


«Muito bem, cara Raposa. Conseguiste provar-me a tua lealdade», disse o Pigmeu. «As tuas caraterísticas fazem de ti uma ótima conselheira. E até me podem ajudar a castigar mais animais que não queiram obedecer às minhas regras».


Depois de ter ordenado ao segundo Urso guarda que levasse a estátua do colega dali para fora, o Pigmeu dispensou a Raposa, pedindo-lhe que voltasse no dia seguinte pela manhã para começar o seu trabalho.


Assim que o Sol nasceu, já a Raposa estava à porta do grande pinheiro.


«Bem-vinda, novamente, cara Raposa», saudou o Pigmeu com entusiasmo depois de lhe ter dado permissão para entrar e subir. 

«Quero começar por pedir-te um conselho sobre a minha aparência... diz-me, como poderei aparentar mais soberano e astuto?».


«Vossa Alteza, sugiro que useis uns longos bigodes como os meus. Eles dar-vos-ão o aspeto que procurais num instante», respondeu a Raposa com prontidão.


«Mas, Raposa…», disse o Pigmeu, um pouco hesitante. «Eu não tenho, nem consigo fazer crescer bigodes».


A Raposa, perspicaz, apressou-se então a trepar sobre a janela e arrancou algumas agulhas de um dos ramos do pinheiro. Depois untou um pouco de resina nas pontas e foi colando-as delicadamente debaixo do nariz empinado do Pigmeu.


«Pronto! Agora já aparentais muito mais soberano, Vossa Alteza», afirmou a Raposa, enquanto contemplava os novos bigodes verdes do Pigmeu.


Confiante com o seu novo aspeto, este dirigiu-se até à janela para fazer o seu habitual discurso semanal aos animais da floresta, agora com o peito inchado de orgulho e a cabeça bem erguida para que todos reparassem nos seus majestosos bigodes. Porém, passados uns segundos, o Pigmeu voltou para junto da Raposa.


«Cara Raposa, porque será que os animais lá em baixo parecem tão risonhos hoje?».


«Oh, Vossa Alteza. Eles sentiram-se tão intimidados com a vossa nova aparência que preferem sorrir para esconder o medo».


O Pigmeu pensou um pouco, depois perguntou: «E que poderei eu fazer para que a minha voz soe ainda mais autoritária? Quero mesmo ver a expressão de medo deles enquanto falo».


«Vossa Alteza, se apertardes repetidamente a barriga com as mãos enquanto discursais, conseguireis expressar-vos com mais firmeza. E assim todos irão temer as vossas palavras autoritárias».


O Pigmeu voltou então para a janela e, retomando o seu discurso, começou a fazer aquilo que a Raposa lhe tinha sugerido:

«Meus… súbditos… quero… avisar-vos… que… não… irei… tolerar… mais… faltas… de respeito… nem… protestos… pois… sabeis… bem… qual… será… o castigo… que… espera… a todos… os que… ousarem… desonrar-me», exclamou o Pigmeu, apertando a barriga entre cada palavra que proferia.


Os animais lá em baixo desataram a rir de tal maneira que a maioria deles já nem conseguia manter-se firme sobre as quatro patas, pois parecia que o Pigmeu estava todo engasgado enquanto discursava.


«Cara Raposa», disse o Pigmeu depois de ter terminado o discurso. «Os teus conselhos estão mesmo resultar! Agora os animais sentiram de tal forma o peso da minha autoridade que até se curvaram».


«Sinto-me honrada por poder ser-vos útil, Vossa Alteza», afirmou a Raposa, fazendo uma respeitosa vénia.


«Oh, e mais uma coisa…», salientou o Pigmeu. «O que achas que poderá tornar-me tão forte como um Urso?».


«Se quereis ser realmente forte, Vossa Alteza, lembrai-vos daquilo que os Ursos mais gostam de comer para se manterem firmes e saudáveis».


O Pigmeu pensou um pouco, até que se lembrou: «Então eu deveria comer mais mel, em vez de oferecer tanto ao Urso guarda».


«Na verdade, Vossa Alteza, deveis comer todo o mel que conseguirdes!», explicou a Raposa. «Quanto mais comerdes, mais forte ficareis».


Sem hesitar, o Pigmeu abriu então a porta do seu reservatório e começou a alimentar-se fervorosamente, até não sobrar uma única gota de mel. Depois de ter terminado, sentiu o corpo bastante pesado e alguma dificuldade em movimentar-se, mas, confiando no conselho da Raposa, admitiu para si mesmo que isso fazia parte do efeito, e que seria uma questão de tempo até começar a sentir-se mais forte.


Passados uns dias, o único Urso guarda que restava ao Pigmeu dirigiu-se aos seus aposentos, queixando-se de estar cheio de fome.

«Vossa Alteza, quero relembrar-vos que continuo aqui todos os dias a exercer as minhas funções, mas há já algum tempo que não tenho recebido nenhum pote de mel».


O Pigmeu, que estava deitado na cama sem quase se conseguir mexer, autorizou-o a servir-se do reservatório, esquecendo-se que este estava agora completamente vazio. Zangado, o Urso apresentou então a sua demissão, e isso deixou o Pigmeu tão aborrecido que, assim que o guarda lhe virou costas, começou a fazer esforços para levantar o braço e lançar-lhe a sua maldição. Mas sentia-se tão pesado que, por mais que tentasse, não foi capaz, e o Urso acabou por ir embora. O Pigmeu não percebia o que se estava a passar, nem por que motivo ainda não se sentia mais forte. Agora, já nem conseguia usar o seu dom, algo que nunca lhe tivera acontecido antes.


Instantes depois, apareceu a Raposa, cuja presença foi muito bem-vinda, pois o Pigmeu estava a precisar de esclarecimentos.


«Cara Raposa, por que razão sinto os braços e as pernas tão pesados? Não deveria eu estar a sentir-me mais forte depois de ter comido tanto mel?».


«Oh, tudo isso são consequências da vossa própria vontade», respondeu a Raposa, enquanto esboçava um sorriso travesso, esfregando as patas uma na outra.


«Mas… tu garantiste-me que eu iria ficar forte como um Urso, e eu só segui os teus conselhos».


«Tal como julgastes que esses bigodes vos tornariam mais nobre e astuto, e como apertando a barriga enquanto discursáveis vos daria um tom de voz mais autoritário. Mas tudo isso só vos tornou ridículo!».


O Pigmeu ficou atónito e processou aquelas informações por uns instantes, não tardando em perceber o que se tinha passado.


«TRAIÇÃO!», gritou escandalizado.


A Raposa desatou então a rir, bem alto, em tom de troça, sobretudo quando o Pigmeu começou a fazer repetidos movimentos para a tentar amaldiçoar, todos eles sem sucesso.


«Agora que já não podeis intimidar nem castigar os animais da floresta, preparai-vos para mostrar a vossa força diante de todos eles!», alertou a Raposa de forma ameaçadora. Depois colocou-se sobre quatro patas e emitiu um longo urro de aviso.


O Pigmeu, apavorado, olhou para todos os lados, sem saber bem o que fazer. Ao longe começou a ouvir um grande tumulto, apercebendo-se de imediato que todos os animais da floresta estavam a correr na direção do grande pinheiro, em resposta à chamada da Raposa. Naquele momento, a adrenalina apoderou-se de tal forma dele que conseguiu mexer um pouco as pernas e correr até às escadas. Mas, devido ao peso do seu corpo e à falta de coordenação, acabou por cair para a frente e rebolar por ali abaixo até à entrada da árvore, onde agora já não havia nenhum Urso guarda. Assim que recuperou da queda, avistou no horizonte o bando de animais furiosos a correr na sua direção. Já não tinha onde se esconder, nem quem o protegesse e o seu dom também já não lhe servia de nada, portanto a única alternativa que lhe restava era fugir.


Seguindo por um longo trilho da floresta, tentou correr o mais rápido que conseguiu, mas as suas pernas pareciam não querer colaborar. Cada vez que olhava para trás via que os animais iam ficando mais e mais próximos, e não pareciam dispostos a desistir enquanto não o alcançassem. Quanto mais o Pigmeu corria, mais sentia o peso de todo o corpo e a dificuldade em movimentar-se aumentava.


«Mas por que razão me fui deixar enganar por aquela Raposa?», pensou, arrependido e envergonhado por ter sido vítima de um esquema claramente planeado em segredo entre todos os animais da floresta.


Até que, PLOF… distraído, deu por si a perder o equilíbrio, caindo desgovernado dentro uma grande poça de lama. Enquanto cuspia restos que lhe tinham entrado para a boca, tentou apoiar-se sobre os seus pequenos braços inchados, esforçando-se para ficar de pé. Quando, por fim, recuperou o equilíbrio, percebeu que era demasiado tarde para continuar a fugir. Os animais iam alcançá-lo a qualquer momento e ele já não tinha mais forças para correr. Por isso, aceitando o seu destino, manteve-se ali quieto e em silêncio.


Quando os animais chegaram até ao Pigmeu, este sentiu um arrepio a percorrer todo o seu pequeno corpo inchado e fez um grande esforço para nem sequer pestanejar. Eram dezenas deles, entre os quais se encontravam lobos, veados, javalis e até esquilos.


«Bem, parece que acabou por aprender a lição e lançou a própria maldição sobre si mesmo», exclamou um Lobo entre o bando de animais, ao ver o Pigmeu naquele estado lastimável.


E assim, satisfeitos por finalmente se terem visto livres dele e das suas terríveis regras, os animais voltaram para a floresta, onde poderiam agora continuar as suas vidas em liberdade e sem mais receios.


Já o Pigmeu podia ter aproveitado a ocasião para fugir, mas a vergonha que carregava dentro de si era tão grande que nunca mais se conseguiu mexer, ficando ali estático, com os seus falsos bigodes verdes e o seu pequeno corpo inchado, coberto de lama dos pés à cabeça, para sempre.

bottom of page