
AS MAGNÍFICAS PERIPÉCIAS DO SAPO QUE QUASE REBENTOU

Enquanto se preparava para começar a sua rotina matinal, o Sapo Sarapintado analisou a pequena lagoa para decidir o rumo a tomar. Tal como os seus semelhantes, todas as manhãs saltava de nenúfar em nenúfar em preparação para o novo dia. Podia, por isso, dizer-se que era um sapo como todos os outros. Tinha as mesmas rotinas, o mesmo coaxar vibrante, a mesma pele verde salpicada de manchas escuras e os mesmos olhos viscosos e atentos. Não havia nada em particular que o distinguisse dos demais.
Após lançar um longo e profundo bocejo, espremeu-se bem contra as suas patas traseiras e atirou-se ao ar, aterrando sobre o primeiro nenúfar que flutuava sobre a água à sua frente. Depois, repetiu o processo e continuou a saltar entre margens. Outros sapos atravessavam a lagoa da mesma forma, à medida que esta se ia enchendo de vida com todos os animais que ali habitavam. A certa altura, o Sapo Sarapintado já tinha saltado tanto que se sentia cheio de energia. E foi no percurso de volta ao ponto de onde tinha partido que, de súbito, se viu projetado no ar a uma altura extraordinária. Teve até dificuldade em controlar os seus movimentos para conseguir aterrar em segurança. Quando, por fim, sentiu o solo da margem da lagoa debaixo das suas patas, olhou para trás e avistou dentro da água um castor com um ar bastante ofendido.
– Vê se tens mais cuidado! – gritava ele. – A minha cauda não é um nenúfar.
– Desculpe, Sr. Castor – apressou-se o Sapo a dizer, bastante atrapalhado. – Estava distraído e não o vi. Não tinha intenção de aterrar sobre a sua cauda.
Nesse instante, começou a ouvir-se um coaxar animado. O Sapo Sarapintado olhou para todos os lados para tentar perceber de onde vinha aquele som, até que avistou um pequeno sapinho na margem oposta.
– Isso foi incrível! Não sabia que os sapos grandes conseguiam dar saltos desses! – exclamava o sapinho entusiasmado, enquanto aplaudia com as suas patinhas.
O Sapo Sarapintado tentou disfarçar, mas não conseguiu evitar esboçar um ligeiro sorriso de satisfação. E, nesse instante, sentiu um desconforto repentino em todo o seu corpo. Começou a tremer de forma descontrolada e os seus olhos ficaram estáticos e muito abertos. Permaneceu assim, em pânico, durante alguns segundos, sem se conseguir mexer. Não percebendo o que se estava a passar, engoliu em seco. Pensou que algo de mau iria acontecer, mas de um momento para o outro, tudo voltou ao normal. Quando finalmente recuperou o controlo sobre si, respirou fundo e foi descansar.
No dia seguinte, ao acordar, sentiu-se estranhamente inchado. Era como se tivesse comido demasiado, apesar de não o ter feito. Mesmo assim, isso não o impediu de se dedicar logo à sua habitual rotina. Decidiu tomar um novo rumo, desta vez saltitando até alcançar o topo de uma rocha alta, onde conseguiu ter uma boa vista da lagoa.
E foi então que ouviu uma voz ao longe:
– Ali em cima! Foi aquele!
O Sapo Sarapintado olhou para a direção de onde a voz tinha vindo e avistou o mesmo sapinho do dia anterior. Tinha outro sapinho ao lado dele e apontava entusiasmado na direção do Sapo Sarapintado. Algo lhe dizia que o sapinho ficara com a sensação que ele era capaz de dar saltos tão altos como aquele que dera no dia anterior, ao aterrar acidentalmente sobre a cauda do castor. O que poderia ele fazer agora? Seria sensato explicar ao sapinho que tudo não passara de um mero acaso; ou deveria continuar a fazer-lhe crer que ele era, de facto, dotado de capacidades acrobáticas que os demais sapos não possuíam? Eram demasiadas perguntas e o entusiasmo do sapinho, que estava de olhos fixos nele claramente à espera de uma demonstração, estava a fazê-lo sentir-se pressionado.
Movido pela adrenalina de causar uma boa impressão, o Sapo Sarapintado não hesitou mais. Aproximou-se da berma da rocha e viu uma garça a beber água no meio da lagoa. As suas costas pareciam fofas o suficiente para o ajudarem a projetar-se no ar. Alongou então as patas, espremeu-se bem e lançou-se num salto calculado para aterrar no ponto pretendido. Caindo a toda a velocidade, assim que embateu nas costas da garça saiu disparado como um foguetão. E enquanto estava no ar, deu às patas de forma dramática para que todos reparassem nas suas peripécias. Por fim, aterrou na margem, mesmo à frente dos sapinhos.
– Uaau, incrível! – exclamou o sapinho que assistia pela primeira vez a um salto do Sapo Sarapintado. – Quem me dera saber saltar assim!
Por sua vez, a garça começou a reclamar furibunda, cuspindo toda a água que engolira a mais com o susto.
– Ai, as minhas costas! Glup, glup. Quem foi o atrevido que quase me fez afogar? Glup, glup, glup.
Caindo na realidade, o Sapo Sarapintado começou a pensar que não tinha agido de forma correta. Mas, ao mesmo tempo, os aplausos contínuos dos dois sapinhos à sua frente quase o fizeram esquecer aquela maldade. Até que, sem estar a contar, foi de novo invadido por uma intensa sensação de desconforto. Parecia agora que as suas entranhas se estavam a apertar e que o seu corpo estava a ficar mole, prestes a derreter. De súbito, como se uma massa de ar lhe tivesse entrado pela boca, o seu corpo expandiu. Segundos depois, tudo passou e o sapo foi espreitar o seu reflexo na água. Estava mais arredondado e volumoso do que antes, sendo já a segunda vez que passava por aquele estranho fenómeno. Por isso, em vez de voltar aos seus exercícios, decidiu dirigir-se a uma zona mais recatada da lagoa, onde habitava a Sábia Tartaruga; uma tartaruga tão velha que transportava dentro de si toda a sabedoria do mundo e à qual os animais recorriam sempre que tinham dúvidas para esclarecer ou conselhos para pedir.
O Sapo foi encontrá-la de olhos fechados à sombra de uma árvore, portanto, ficou à espera em silêncio para não interromper a sua meditação.
– O que te traz por aqui nesta manhã de primavera, Sapo Sarapintado? – perguntou calmamente a tartaruga sem sequer abrir os olhos, assim que deu pela presença dele.
– Ahm… Tenho uma pequena preocupação e preciso da tua ajuda.
A tartaruga abriu um olho devagar, depois o outro e ficou a observá-lo com um olhar penetrante. Não proferiu nenhuma palavra, mas o Sapo apercebeu-se que ela estava atenta, à espera que ele falasse.
– Ah, ora bem… – balbuciou. – Nos últimos dois dias senti algo estranho no meu corpo. Primeiro achei que ia desmaiar, mas depois apercebi-me que tinha aumentado de volume. Sabes o que poderá ter causado isto, Sábia Tartaruga?
– Meu caro sapo, todos temos dores de crescimento, mais cedo ou mais tarde. Isso é perfeitamente normal. Mas também há dores mais profundas que podem revelar que algo está errado dentro de nós. Lembras-te do que aconteceu antes de teres experienciado essa sensação estranha?
O Sapo pensou durante alguns instantes. Claro que se lembrava do que tinha acontecido. E então explicou à tartaruga como a reação dos pequenos sapinhos aos seus saltos o deixara motivado a continuar a exibir as suas magníficas peripécias.
– O orgulho em nós mesmos não é algo mau. Pelo contrário… trata-se de uma forma de reconhecermos os resultados dos nossos esforços e conquistas pessoais – explicou a tartaruga. – Mas tem cuidado, Sapo. Pois o orgulho é um sentimento bastante traiçoeiro. Se não aprendermos a controlá-lo, será ele quem vai acabar por nos dominar e, a certo ponto, acabará por empurrar os nossos princípios e valores para os recônditos mais escondidos do nosso ser.
Sentindo-se mais descansado por entender que aquele desconforto não era tão grave como achara, o Sapo agradeceu à tartaruga e partiu de volta para o seu refúgio na margem da lagoa. Durante o percurso, foi sempre a pensar se alguma vez o orgulho seria capaz de dominá-lo, como a tartaruga advertiu. Mas não achou que fosse fraco o suficiente para poder ser dominado por um mero sentimento.
Contudo, os seus pensamentos foram interrompidos quando se apercebeu que um pequeno grupo de sapinhos o estava a seguir. O Sapo parou e olhou para trás. Sabia bem o que eles queriam.
– Lamento, mas agora não tenho tempo para saltos – prontificou-se a dizer. – Estou a tentar controlar o meu orgulho.
– Oh, vá lá! Só um, por favor – implorou um dos sapinhos, enquanto os outros o observavam com os olhos reluzentes, ansiosos por uma demonstração.
– Talvez amanhã. Hoje já estou cansado.
Sem voltar a olhar para os sapinhos, o Sapo Sarapintado continuou o seu percurso e foi descansar.
* * *
Já o Sapo Sarapintado ia a meio dos seus saltos entre nenúfares, na manhã do dia seguinte, quando viu o grupo de sapinhos na margem da lagoa, de olhos postos nele. Lembrou-se que lhes tinha prometido uma demonstração e agora não sabia o que fazer.
– Vocês têm mesmo de ver… ele dá saltos enoooormes e até faz acrobacias no ar – exclamou o sapinho mais animado, agitando as suas pequenas patinhas numa tentativa de imitar os movimentos que o Sapo Sarapintado fazia.
Começou a ficar nervoso por ter de tomar uma decisão sob aqueles olhares expectantes. Será que deveria admitir que os seus saltos extraordinários só eram possíveis graças a estímulos externos, e que isso implicava sacrificar o bem-estar dos outros animais? Ao mesmo tempo, achou que não tinha nada a perder se fizesse apenas uma pequena demonstração para deixar os sapinhos satisfeitos.
Nesse instante, passou mesmo à sua frente um castor que apanhava banhos de sol, deixando-se levar pela corrente de água, de olhos fechados e barriga para o ar. O Sapo olhou uma última vez para os sapinhos. Estavam tão ansiosos que até saltitavam no lugar. E sem perder mais tempo, atirou-se ao ar. O grito de espanto do castor ecoou nos seus ouvidos quando embateu com as patas na barriga dele, saindo depois projetado a uma grande altura. Conseguiu até, pela primeira vez, dar uma cambalhota no ar, antes de aterrar à frente dos seus pequenos admiradores.
– Seu malcriado! É a segunda vez que perturbas o meu banho. Já não há respeito! – barafustou o castor, furioso.
Porém, o Sapo Sarapintado estava apenas focado no coaxar vigoroso dos sapinhos, assim como nos grandes elogios que estes lhe faziam. Viam-no como um herói dotado de habilidades surpreendentes que nenhum outro sapo, até então, demonstrara possuir.
– Como é que fazes isso? Conta-nos, por favor! – suplicou um deles.
– Queremos muito aprender a dar saltos como os teus! – afirmou outro, bastante entusiasmado.
Perante aquelas reações, o Sapo Sarapintado voltou a sentir as suas entranhas a contorcerem-se. A sensação era cada vez mais forte e agoniante, como se houvesse uma grande tempestade dentro de si. Mas naquele momento isso já não o deixava muito preocupado. Depois de ter ficado imóvel durante alguns segundos, tremendo como varas verdes, quando tudo finalmente passou aproximou-se da água e pediu aos sapinhos para o seguirem. Refletido na superfície, aparecia o seu corpo volumoso e arredondado. Ao seu lado projetavam-se as minúsculas imagens dos sapinhos.
– Estão a ver ali? Eu sou o maior, o mais forte e tenho um poder especial que mais ninguém tem, que se chama «orgulho». Por isso, eu sou o único sapo do mundo capaz de dar saltos extraordinários.
Sentindo-se agora confiante com a sua nova imagem e com o reconhecimento que os sapinhos lhe davam, o Sapo Sarapintado decidiu então que, dali em diante, iria continuar a exibir-se com as suas peripécias.
Os dias que se seguiram foram um autêntico pesadelo para os animais que habitavam nos arredores da lagoa. O Sapo Sarapintado acordava de manhã e começava a saltar a grande velocidade de um lado para o outro, usando qualquer um que se atravessasse à sua frente como trampolim. A certo ponto, começavam a aparecer grupos de sapinhos para o admirar e aplaudir. Eram cada vez mais, visto que iam espalhando a palavra entre eles. Alheios à atitude imoral do Sapo, os sapinhos seguiam-no como uma verdadeira claque. E a cada ronda de aplausos, o corpo do Sapo Sarapintado expandida mais e mais.
Não tardou muito até os pais dos sapinhos começarem a aperceber-se da situação. «Ele é o sapo mais talentoso de todos!», admitira radiante um dos sapinhos aos seus progenitores. «Queria tanto ser como ele, mas não tenho o poder do orgulho», afirmara outro, ligeiramente desapontado. Preocupados, e considerando o Sapo Sarapintado uma má influência para os seus filhos, os sapos decidiram reunir-se e procurar os conselhos da Sábia Tartaruga.
– Ah, eu temia que as coisas fossem chegar a este ponto – disse a tartaruga assim que os sapos partilharam as suas preocupações. – Parece que o pior acabou mesmo por acontecer. Mas sei o que poderá ser feito para remediar a situação…
A tartaruga clareou a voz e os pais aproximaram-se para ouvirem bem o que ela estava prestes a dizer.
– Ouçam com atenção, sapos… Se o desejo dos vossos filhos é seguir os passos do Sapo Sarapintado, então ensinem-lhes a fazer peripécias como as dele. Mas ensinem-lhes também a melhorar onde ele falha: mostrem-lhes que as nossas conquistas pessoais devem ser sempre um motivo de celebração e orgulho, mas nunca isso deverá ser uma razão para acharmos que mais ninguém é capaz de feitos iguais ou melhores do que os nossos.
Os sapos olharam uns para os outros com ar pensativo. Durante alguns instantes, ficaram a deliberar sobre um possível plano de ação, até que um se lembrou:
– Já sei! Podemos convocar uma mostra de talentos para os sapinhos e ensiná-los nós mesmos a fazer peripécias. Assim, poderemos provar àquele Sapo Sarapintado que ele não é assim tão exclusivo como pensa.
* * *
Durante alguns dias, os sapos treinaram com os seus filhos, preparando-os para revelarem o seu potencial. Uma semana depois, convocaram então a mostra de talentos.
– Venham todos, venham! – exclamou a garça que tinha sido convidada para apresentar a cerimónia.
– Venham ver as peripécias dos sapinhos, nesta que será uma mostra com muitas surpresas.
Numa questão de segundos, a lagoa encheu-se de animais curiosos. Nem o Sapo Sarapintado ficou indiferente ao ouvir aquele anúncio de longe. Sem hesitar, subiu até à rocha mais alta para espreitar do que se tratava aquele alarido. Ali de cima, observou os pequenos sapinhos em fila, junto à margem, acompanhados pelos seus pais. Não podia acreditar que tinham convocado uma mostra de talentos sem o terem convidado, ele que já tinha demonstrado ser o melhor de todos! Tinha de fazer alguma coisa para impedir que aquilo continuasse.
– E agora, este sapinho vai dar um salto tão alto que vos vai deixar estupefactos – anunciou a garça, enquanto o primeiro sapinho da fila era acompanhado pelo pai até perto da água.
– Lembra-te do que treinámos: tens de subir para as minhas costas, depois eu agacho-me e, quando contar até três, levanto-me e tu aproveitas o impulso para saltar – sussurrou o pai ao ouvido dele.
Quando o pequeno subiu para as costas do pai e este se espremeu contra as suas patas traseiras, todos os espetadores foram apanhados de surpresa por uma grande onda que os deixou encharcados. Parecia que uma bola gigante e verde caíra dentro da água. Ou aquilo não era uma bola?
– Para trás! – gritou o Sapo Sarapintado em tom autoritário, emergindo à superfície da lagoa. – Eu vou primeiro.
– Tu não fazes parte da lista de participantes. Esta é uma mostra exclusiva para os sapinhos – disse o sapo que carregava o seu filho às costas.
O Sapo Sarapintado, que já estava tenso e extremamente irritado por não o terem convidado, começou a sentir-se como uma panela cheia de água a ferver. Estava tão ofendido que lhe era cada vez mais difícil controlar os seus impulsos. Em consequência disso, sem ele sequer saber que era capaz de tal feito, começou a erguer-se lentamente no ar que nem um balão de ar quente. Os sapos apressaram-se a recolher os seus filhos e retrocederam alguns passos, olhando apavorados para a figura gigantesca que agora pairava sobre eles. Era tão volumoso que projetava uma enorme sombra sobre todos os que estavam lá em baixo; os seus enormes e viscosos olhos fixos neles, irradiando uma tenebrosa expressão de fúria.
– Ouçam bem… – gritou o Sapo numa voz agora extremamente grave e mecânica que ecoou por todos os recantos. – Eu estou aqui para vos provar a todos, pela última vez, que mais ninguém é capaz de fazer peripécias iguais às minhas!
– Já dissemos que não estás convidado – reiterou um dos sapos. – Já vimos demasiadas demonstrações tuas e agora chegou a vez dos nossos filhos poderem provar que também eles possuem os seus próprios talentos.
Ofendido com aquelas palavras, o Sapo Sarapintado começou a tremer revoltado e isso fez com que o seu corpo expandisse um pouco mais. Percebia agora que já não eram só os elogios que causavam aquela reação, mas também a fúria que rapidamente crescia dentro de si. E, pela primeira vez, sentiu que o seu corpo estava mesmo no limite. Se continuassem a irritá-lo daquela forma e ele não fosse capaz de se controlar, iria acabar por rebentar.
– Ninguém é mais importante do que eu! Se eu não puder participar, então também não vou permitir que nenhum sapinho participe e vou esmagar-vos a todos! – exclamou ele com toda a força.
Os sapos começaram a entreolhar-se uns aos outros, assustados com aquelas ameaças. Até que o pai do sapinho que fora interrompido se chegou à frente.
– Muito bem, Sapo. Se tanto queres impressionar-nos com as tuas peripécias, vamos deixar-te participar.
Após ter dito isto, piscou discretamente o olho aos demais, tendo o sinal sido captado tanto pelos outros sapos, como pelos restantes animais que assistiam à mostra.
– Era isso mesmo que eu queria ouvir! – afirmou o Sapo Sarapintado, agora um pouco mais calmo. – Agora preparem-se para ficar boquiabertos com este salto…
Enquanto flutuava no ar, dirigiu o seu olhar para a água e fixou-se numa tartaruga que ali repousava serena. Depois de ter respirado fundo, deixou-se cair a toda a velocidade, planeando usar a carapaça como alavanca. Contudo, mal ele esperava que, assim que estava próximo de aterrar, a tartaruga se deixasse afundar de propósito, fazendo com que o Sapo mergulhasse de chapa na água.
Os espetadores não conseguiram conter-se e desataram a rir. Quando o Sapo Sarapintado emergiu e se deparou com aquelas reações, não soube sequer como reagir. Queria falar para mostrar a sua indignação perante tal humilhação, mas percebeu que tinha a boca cheia. E quando a abriu expulsou uma torrente de água. Os pequenos sapinhos riram-se tanto com aquela imagem que até coaxaram de forma descontrolada.
– Riam-se à vontade… Mas eu continuo a ser o melhor e o maior de todos! – disse o Sapo Sarapintado depois de ter expulsado toda a água que quase engolira.
– Tu és só um sapo como nós. E queremos ensinar aos nossos filhos que ninguém tem o direito de passar por cima dos outros – explicou calmamente um dos pais.
– Eu já percebi tudo… O que vocês estão a tentar fazer aqui é montar um esquema para me derrubarem. Mas nunca esses sapinhos conseguirão ser iguais a mim!
– Nós não te queremos derrubar – afirmou outro. – Apenas queremos incentivar os nossos filhos a mostrar o seu potencial, sem que pensem que são menos capazes do que tu, ou qualquer outro sapo.
O Sapo Sarapintado analisou durante uns instantes os sapinhos ali reunidos. Pareciam tão pequeninos e pouco desenvolvidos que a ideia de os pais acreditarem que eles tinham algum potencial lhe pareceu ridícula. Por isso, não quis desperdiçar uma oportunidade de provar que o seu instinto estava certo e acabou por aceder.
– Muito bem. Então vou ficar aqui à espera para ver do que esses sapinhos realmente são capazes.
Voltando a pousar no chão, encostou-se a um cepo próximo da água e ficou ali a observar enquanto o primeiro sapinho da fila subia de novo para as costas do pai. Este colocou-se em posição e, depois de contar até três, levantou as costas e o sapinho deu um salto, saindo projetado como um foguetão. Enquanto estava no ar, deu às patas como se estivesse a nadar, aterrando depois em segurança num nenúfar estrategicamente colocado na água pela mãe.
Os espetadores começaram a aplaudir radiantes. Já o Sapo Sarapintado não conseguia acreditar no que tinha acabado de ver e, face a isto, as suas entranhas começaram a estremecer. Não estava à espera que aquela sensação voltasse naquele momento de estupefação, mas percebeu que era um sinal para se preparar para o pior… era agora; sentia que era desta que ia rebentar! Com medo, fechou os olhos. A sua boca contraiu involuntariamente e através dela saiu uma lufada de ar. Foi como se alguém o tivesse apertado de tal forma que o seu corpo perdeu algum volume. Ainda estava intacto.
Prosseguindo com a mostra, a garça chamou mais um sapinho. O pequeno aproximou-se do leito da lagoa e os pais ataram às suas patas pétalas de uma flor de nenúfar, como se fossem patins. Depois saltou para a água e começou a deslizar sobre a superfície, fazendo piruetas de vez em quando, que mereceram os melhores aplausos dos espetadores.
O Sapo Sarapintado ficou mais uma vez incrédulo. O coaxar e os aplausos entusiasmados dos espetadores tornavam-se cada vez mais insuportáveis. Parecia que, de repente, toda a gente se tinha esquecido que ele estava ali. E o pior de tudo foi a reação agoniante do seu corpo, que o fez perder mais um pouco do seu extravagante volume.
Sentia-se traído pelo seu próprio complexo de superioridade que, durante todo aquele tempo o fizera acreditar que era único. A cada nova demonstração de um sapinho, percebia que deveria ter dado ouvidos aos conselhos da Sábia Tartaruga e controlado melhor o seu orgulho. Agora restavam-lhe apenas sentimentos de culpa e, em consequência disso, o seu corpo continuava a esvaziar incessantemente. Em poucos instantes, voltara ao seu tamanho normal. Quando olhou para o próprio reflexo na água, não lhe restaram mais dúvidas… ele era mesmo igual aos outros sapos.
– Mais um talento revelado! Viva! – aplaudia a garça, depois de outro sapinho ter sido lançado ao ar pelos pais e dado várias cambalhotas seguidas.
Passados alguns instantes, dezenas de sapinhos tinham já demonstrado saltos, piruetas e acrobacias deslumbrantes. Por sua vez, no seu canto solitário, o Sapo Sarapintado começou a perceber que todas as coisas à sua volta se tornavam cada vez maiores; ou talvez ele estivesse apenas a encolher. E por entre os sons de aplausos e dos risos de felicidade dos sapinhos, encolheu, e encolheu, e encolheu. Sim, era mesmo isso. Tanto encolheu que, por incrível que pareça, acabou por ficar do tamanho de uma semente. Certo é que, desde aquele dia, nenhum animal voltou a ser incomodado pelo Sapo Sarapintado. Dada a sua leveza, talvez tenha sido levado pelo vento, arrastado pela água, ou simplesmente ficado esquecido como um grão de areia no deserto, pois nunca mais ninguém o viu.